segunda-feira, 29 de junho de 2009

"Tem certas coisas que eu não sei dizer..."

Depois de um longo e tenebroso inverno, o sol raiou.

Desci pra me expor a ele, cozinhar em banho-maria (orientação médica, que eu cumpro felizinha da Silva e sempre com um livrinho pendurado entre mãos).

Exercício gostoso que me levou a alguns cantos da infância vivida no grande condomínio Bella Torre (que continua imenso, mesmo agora que o olho com retina adulta).

Foi bom crescer aqui.
Assim como foi bom brincar, beijar o primeiro beijo, frequentar vizinhos, fazer festa, trabalho de grupo, andar de bicicleta com rodinha, andar de bicicleta sem rodinha, pique-pega, pique-esconde, pique-cola, ping-pong humano," descer pra conversar"...

O Bella Torre é chão e foi muro pra muita coisa que ainda mora em mim.

CENA PRODUZIDA NO MEU BANHO DE SOL:
O menininho do 6° andar do bloco 3 vinha caminhando com a mãe. Conversava, e de longe eu vi que ele encarou a mureta que divide o pátio do estacionamento, com uma coragem nova e viva demais para um homenzinho de 5 anos.

Deu vontade de pular e assim ele o fez. Largou do braço da mãe e num esforço comovente lutou contra o concreto que devia bater mais ou menos em seu ombro.

Ele deu impulso.
Ele pulou a plenos pulmões.
Ele caiu e levantou de novo.
Ele tentou outra vez.
Ele ajudou com os pés, como se afogasse.
Ele fez força com o braços, como se voasse...e arrastou o rosto, se arranhou, continuou puxando a barreira pra si.

Eu tive vontade de dar uma força, um pezinho, mas fiquei de longe torcendo para ele não desistir. Do êxito dele dependia a alegria do meu dia.

Se ele vencesse, bem na minha frente, com tanta dignidade - seria ele o herói, o super-homem que salvaria toda humanidade daquele dia.

O garotinho do outro lado do muro e Deus perdoaria toda face da Terra.

Para torcer pelo feito, meu corpo todo funcionava em sua direção. preso no que seria meu pequeno grande milagre.

Do lado dele, a mãe que não parava de olhar o relógio e fazia cara de "não tenho tempo para suas criancices" perdia a grandeza do momento e a lindice que era aquele rosto espremido de tanto fazer força.

Já quase sem força, ele olhou pra mim, como se desculpasse pela decepção e eu olhei pra ela com cara de " faça alguma coisa".

Ela entendeu, porque é mãe e recuperou o espetáculo perdido soltando a bolsa da mão e empurrando a bundinha do filho com uma ternura forte - dois adjetivos que naquele momento combinaram como nunca antes.

Ele foi.
Ele foi para o outro lado respirando cansado e vencedor.

Eu suspirei de emoção.
Ele transpirou, prosa de si.
Ela bufou, mas orgulhosa.

(como você pode ver, existem muitas maneiras de utilizar o ar que entra e circula pelo pulmões. - eu escolhi respirar pelos olhos. É bem mais bonito.
Há também muitas maneiras de ultrapassar muretas. Com empurroezinhos afetuosos é sempre a melhor delas.)

CONTINUANDO...
Meu Messias entrou então no carro com sua Maria e foi embora portão a fora.

Foi aí que me lembrei do meu super-homem parente: Guigui.

Se fosse ele o protagonista da cena que eu tinha acabado de co-dirigir - meu macaquinho de estimação teria deixado a mureta pra trás com o "pé nas costas" e finalizaria o golpe com aquela sua gargalhada bem safada.

Suspirei de novo e senti um amor imenso por ele, aquela vontade de abraçar que dá quando alguma coisa no dia, nos remete a alguém que a gente gosta bastante.

Abençoei o Guigui em pensamento e pedi a Deus para ser amada nesse mesmo formato durante o dia de algumas pessoas também. Será?



sexta-feira, 26 de junho de 2009

"Há um vilarejo ali..."

Estou a pouco de voltar para um lugar chamado rotina.

Voltarei mais leve e mesmo assim carregada de itens recém-incorporados a minha lista de sobrevivência diária.

Colocar essa teoria toda de forma prática...aí é que tá e essa vai ser a prova dos nove.

Volto com alegria e uma só dor no peito: deixar minha mãe sozinha nesse nosso lar imenso e vazio de nós, durante as semanas.

Tô pensando em morar mais aqui quando eu voltar pra aí, vó.

Quero minha mãe por perto: chega de saudade...

terça-feira, 23 de junho de 2009

Alívio

Vó,
finalmente tive um fim de semana cheio de cheiros bons e conhecidos...

Já é primavera, mas da janela e na pele, ainda é o frio gelado do inverno que se sente.

Não importa. No sábado e no domingo fez sol de dentro pra fora porque estiveram aqui as Carois, Gabi, Thiela, Nath e Fernandinho (o povo do 4° andar) e o Thiago.

Rendeu disso tudo muito chocolate quente (receita que aprendi com você), os risos que me faltavam, a alegria da amizade e a festa que é ter colos antigos me dando espaço bem aqui no meu quintal - território particular e próprio que usei algumas vezes para chorar o desespero de não ser visitada e carregada da maneira que sonhei e queria.

Não faz mal. Me nego a dormir mais algum dia com aquela sensação sem fôlego e na experiência do abandono.

Tenho que parar com essa coisa de querer amor mais concreto, de presença mais sólida...

Onde eu estava com a cabeça quando achei que era isso que me salvaria da dor no peito?

Pois foi "sozinha" que eu me curei da loucura que é achar que o amor da condição de telepatia e bola de cristal às pessoas.

Tudo bobagem.
Foi em casa, com meu corpo e a duras penas que eu aprendi o que não saquei durante toda faculdade:

COMUNICAR. É desse jeito que a gente sinaliza aos queridos do que se gosta e como se sente bem. É desse jeito que a gente ganha carinho.

Informação é a alma do negócio, a palavra-chave e chave mestra.

Funciona assim. Eu digo: Estou precisando de você. E o você vem. É batata. Não é mágico?

E eu que achei que a magia estava em calar e esperar que o graçom trouxesse, na intuição, meu prato favorito. Tudo bobagem.

Fome se mata pedindo comida, berrando "Tô com fome", até os bebês sabem disso e eu do alto da minha montanha de ignorância, precisei me transformar em uma senhora, aos 25 anos, para entender esse fundamento.

1) - Amigos são só amigos e isso não lhes qualifica como cartomantes. Por isso quando precisar de algo, peça. Não espere que adivinhem.

PS: Essa verdade serve a pais, irmãos, namorado, ao cabelereiro e todo e qualquer produto ou serviço que você deseje consumir da maneira que idealizou.

Moral da história: O que é óbvio pra você, não necessariamente o é para os que estão em volta.

Portanto, aviso aos navegantes - ainda quero colo!

terça-feira, 16 de junho de 2009

Claridade

É madrugada.
Olho minha mãe na foto do meu mural e sinto por ela um amor, mas um amor...
dá vontade de ir ao quarto dela, deitar do lado dela, sentir o cheiro dela e respirar junto com ela...

Me controlo, porque ela dorme e um rompante desse assustaria o meu amor.

Deito e mato minha vontade de mãe olhando seu lindo sorriso no retrato:
- Meu Deus como ela é linda!

Choro minha emoção e me odeio um pouquinho, porque durante o dia, quando ela tá ao meu alcance, a gente perde tempo com nossas questões mãe versus filha.

A gente é da paz e costuma se dar bem. Mas como temos esse parentesco, as mágoas inerentes ao cargo que ocupamos, me embaça a vista.

A luz do dia não é boa para provocar esse tipo de amor-rompante.

Por isso eu sempre preferi a madrugada, apesar de ter uma paixãozinha platônica pelo sol...

É que de madrugada tudo fica mais claro.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Ensolação

Tô deitada há horas tentando dormir.

Nesses meses em casa, foi inevitável: troquei o dia pela noite e como já era de se esperar ando acordando lá pelas 14hs, quando o mundo já deu voltas e a 'gente boa do meu Brasil' já ta na luta faz tempo...

Isso é bom, mas angustia, ás vezes.

Tem um poema da Adélia Prado que tem uma frase que ela 'fez pra mim' e toda vez que lembro, eu sinto uma conformação - do verbo resignar - tão inteira e boa...vou te contar:

"Lá o gado de Deus para pra beber água..."

E então eu me desenho uma vaquinha, malhada e mimosa no meio de um pasto largo, deserto e escoltado por um sol escaldante, daqueles que fazem a gente respirar difícil (mesmo quando se tem o pulmão inteiro) ...

As vacas e os bois idem, sabem que seu destino é pastar e que embora não pareça, isso tudo dá um trabalho danado.

Mas esse não é um gado qualquer, ele é de Deus e por isso ganha o direito de relaxar, respirar, descansar... bebe sua aguinha na sombra, pra só então pertencer a lida gordurosa e suada que é a vida.

A conclusão desse devaneio todo, vó, é o seguinte:
Esse tempo em casa, que a meus olhos as vezes incomoda, por ter roupagem ociosa, foi o break que Deus me permitiu pra matar a minha sede, me refrescar.

Vem mais sol por aí e pra segurar essas pontas, Ele sabe que eu precisei me irrigar pra dentro.

Tô prontinha e adubada pra nova estação.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Aquarela

Ai vó,
tem dia que tudo parece estar por um fio.

A gente estranha nossos afetos, sente dúvidas que não queria, chora dores escondidas e o resultado disso tudo é uma bateção de cabeça, uma loucura louca...a gente se ofende, cria ressentimentos "a pão de ló", pra no fim do dia, quando travesseiro nos deita a cabeça e a gente retoma a consciência, concluir: quanta bobagem, quanto tempo perdido...

Com o tempo tudo desbota. Por isso tô entendendo hoje que não adianta tanta caraminhola.

Vou cantar, porque com música talvez essa verdade fique mais bonita.

Cantorolando então eu te explico: "...numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo (que descolorirá)
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo (que descolorirá)
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo. QUE DESCOLORIRÁ."

A verdade é essa, vó! E a moral da música me diz que certo mesmo é o fim.
Por enquanto então o que tem que valer a pena é o desenho - mesmo sendo apagável.

...mas tem dias vó, tem dia que eu esqueço disso.
Hoje, por exemplo.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Literalmente

Amuado.
Bonita palavra que li num livro e lembrei de você, vó.

Não que pra mim você tenha essa imagem. Não sempre, só as vezes, mas acho que o lembrete me veio porque essa é uma palavra difícil de se ouvir hoje em dia.

No tempo de hoje a gente falaria que o sujeito "tá estressado".

Ôh praga essa mania e obrigação moderna: stresse.

Eu, por mim, prefiro as palavras de antigamente ou as que ainda vou inventar, poetando meus pensamentos.
É, eu também gosto de verbear diferente, fazer falsetes e só por brincadeira ser um pouco Machado de Assis.

Amuado é coisa que só vó diria, mas uma vó como você - rara, assim como a palavra.