Amanhã vou te ver. Amanhã volto pra esse reino que era nosso semanalmente e de onde eu saí correndo quando descobri bactérias fazendo de mim o "pão de cada dia".
Vou a Copacabana para consulta com a Dra. Celi e vou te visitar.
Bichos andam se fartando do meu interior e eu aqui fora tendo que sorrir pra não te manifestar a minha dor.
Você não sabe de nada vó. Não mesmo? Ou tá brincando pra não estragar a surpresa?
A cena é antiga, boa, mas a lógica é a mesma: a gente chega na sua casa pro almoço de domingo.
Antes de apertar a campainha, nosso pai e nossa mãe nos dão tempo e corremos para o esconderijo atrás da porta corta-fogo-da-escada-do-prédio.
Você abre a porta de casa sorrindo dos pés a cabeça e ensaia um espantamento doce, perguntando:
-Ué, as crianças não vieram?
(a voz é alta e nuvem e a gente atrás da parede mágica escuta todo o teatro com ansiedade e cheios de felicidade)
Do esconderijo, a gente deita naquelas palavras (com a tranquilidade que sente quem é amado) e fica atento para a hora do 'gran finale', você continua impecável em seu papel:
-Puxa, que pena...
(e suspira com dramática tristeza) ...
A gente avança porta a dentro e corre pra te abraçar, linda e de braços abertos.
Era tudo brincadeira. Nós todos sabíamos disso.
Atrás daquela porta, no fundo, nós três também sabíamos que você sabia que a gente tava se escondendo, mas era bom repetir o mesmo roteiro toda visita.
Fingir não saber das coisas, as vezes, é mesmo o melhor papel que a gente pode fazer pra não estragar a surpresa.
Você sabe mesmo das coisas, né vó?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Karla,
você me fez chorar...
um pouco de alegria e muito de saudade.
É engraçado perceber como somos todos muito, tanto parecidos...e mesmo assim pequenos detalhes nos tornam tão especiais...
Me deu saudade de visitar minha vó, mesmo ela estando agora no quarto ao lado.E, alegria de ter vivido tanto isso...de me esconder nas escadas e pensar o quanto ela não sabia que sabia.
É saudade do que não volta e acontece sempre.
Vocês sabem mesmo das coisas.
Karla,
No meu aniversário você disse que me daria um livro de presente. Obrigada por me mandá-lo em capítulos. Adoro o que você escreve. Me emociona e isso é bom demais. Bjs
Tô chorando aqui prima... Consigo visualizar td exatamente como vc descreveu.
Suas descricões são perfeitas!
Vc me inspira.
Te amo
Bons tempos que eu ia visitar minha avó, e invariavelmente ela estava sempre disposta a me amparar, mesmo quando eu achava que nao precisava, como você disse "vó sabe das coisas", e muitas vezes nao sabe so para não ficarmos preocupados de como ela ficaria preocupada se soubesse. Seu relato me trás saudades de minha avó Geni, mas ao mesmo tempo felicidade por te-la aproveitado tanto, é claro que sempre ficamos com aquele sentimento de que poderiamos ter aproveitado mais, mas ... aproveitamos o que tinha que ser aproveitado.
Os relatos do livro que você me presenteou, me trouxeram esses sentimentos a tona, essa mistura de saudade e presença. Por que a perda é tão sofrida, se ela é inevitável? Será que é uma maldição dos seres humanos, em troca da inteligência ganhamos o desejo, e do desejo veio o sofrimento ...
Bjsss poetisa marginal, lembra rsrsrs
Postar um comentário