quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Desabamento.

Agora que me chega a notícia de que não sou mais um alguém radioativo (o novo teste do escarro me garantiu que não sou mais bacilífera - não transmito a doença) deu vontade de escrever sobre o escombro que se fez em mim:

A tarde tinha uma cor bonita, de Inverno indo e vindo, sol clarinho chegando só pra ser luz, sem lamber a gente de calor.

Era segunda-feira e por ser chamada assim esse cotidiano de hoje seguia correndo como todos os outros. Praxe: tinha emails, reuniões, telefone e hora pra tudo – menos pra comer e deixar sentir aquele cansaço todo que me invadia.

(ontem teve FLIP – porque o cara que é meu pai, fez das tripas coração e de manhã cedinho chegou cheio de sorrisos para nos encaixar naquele cenário que gosto tanto - Paraty.)

Parei para o almoço lá pelas 15hs – momento em que nem fome se tem mais. E foi na mesa mesmo (e do trabalho) que escutei pela primeira vez o nome tuberculose.

Fiz ouvido de mercador, coloquei o carro na frente dos bois e lá fui eu trabalhar como desculpa de não ter tempo de pensar no que aquilo tudo bagunçaria a minha vida.

PNEUMOPATIA ESPECÌFICA. Era a cara do bacilo tuberculosis morando dentro do meu pulmão.

Cheguei na médica chorando, sem entender o porquê do desespero. Procurei calma respirando fundo, mas a dinda Mima percebeu o abatimento anexado, na cara.

Do consultório para o laboratório. O percurso bem que rima, mas isso tudo não tinha jeito de poesia e muito menos graça. Isso tudo não tinha graça nenhuma.

PCR, PPD, Escarro. A promoção me garantia o diagnóstico: faça os três exames e leve a tuberculose pra casa!

Aliás tive que abandonar Copacabana as pressas. O combinado era não deixar nem você vó, nem meu vô sabendo o que realmente estava acontecendo. Além de representar um risco de contágio pra vocês dois – velhinhos que já tem problemas demais pra somar com o meu (ele com efisema pulmonar e você que acabou de tirar o cancêr que levou sua mama direita junto).

Meu terreno agora era Campo Grande. De segunda a segunda. Sem trem nem trabalho, nem pós-graduação, nem lugar nenhum além do “quintal de casa”, perto de pai e mãe.

Daí você percebe que rotina é coisa boa demais. Coisa que só se sabe quando é interrompida. E a minha foi.

Chorei baixinho e muito, que era pra tentar diminuir o latejo que fazia em mim. Tudo em vão.

Começar a fazer as pessoas saberem era a pior parte. Não sei se é coisa minha, mas em um colapso como esse, falar, conversar, desabafar, não alivia. Dói bem mais.

João chegou em casa bem mais abobalhado que eu.
Chorava em linha reta, me abraçava com força, soluçava pra falar e repetia tresloucado: como você não, isso não podia ter acontecido com minha irmã!

Vendo aquele grande amigo se derretendo em infelicidade e uma culpa desajeitada e fora de lugar, fiquei forte e acalmei.

Sentamos eu, minha mãe e ele e expliquei aos dois o que já tinha sido me dito: a doença é grave, mas não vai me matar se eu souber cuidar dela disciplinadamente, tomando os remédios e monitorando sua evolução. Em algum tempo, talvez nos próximos seis meses, tudo voltaria ao seu devido lugar.

Depois foi a vez da Carol (a do meio, a de Mangaratiba) que parece que sabe das coisas e me ligou bem na hora que a dor me queimava mais. Contei pra ela como quem conta uma tragédia.
Como tudo em sua voz e palavras me deixam em casa, não fiz cerimônia e dasabei em cima dela, que por causa e efeito desabou em mim. Ficamos as duas a nos prometermos que tudo ia ficar bem e desligamos cheias de prantos e medo.

Depois desse despejo e por já ter desaguado o dia inteirinho, atendi o Thiago decidida a contar as novas notícias (já que no dia anterior eu tinha negado isso a ele – acho que mais por vergonha do que por medo. Eu tava me sentindo suja e era difícil admitir isso ao moço que me beija na boca.)

Então do outro lado da linha ele respirou aliviado (acho que tinha pensado em algo pior e tava assustado com tanto suspense) e me fez rir e respirar, falando algumas bobagens e piadinhas.

Por isso tenho dito e repito: o rapaz que gosta de fazer o papel de grosso, fala palavrão como quem pontua frases e trabalha com um revolver no bolso – quem diria! – me fez um carinho danado e calmante em meio ao drama relâmpago que tinha me ameaçado o dia todo.

Fui dormir mais tranquila e adiando o desespero para o dia que nasceria amanhã.

5 comentários:

Ana Carolina Gil disse...

Algumas vezes, lágrimas dizem mais que palavras. É o caso.
Queria poder te dar um abraço bem forte agora.
Te amo muito.
Me perdoe por não ter estado mais perto e mais dentro.

Manu disse...

Karlota,

Para variar um pouco fui uma das últimas a saber, no meio de uma tarde para lá no meio do seu tratamento!
Ufa, ainda bem que passou!
=)

Annanda Galvão disse...

Desde que você postou procuro palavras pra dizer o que não sei se dá pra ser dito...não as encontro!
lindo.

Maviane Motta disse...

Oi Karla,

Li em vários lugares que o sofrimento nos leva a sabedoria... te desejo melhoras e felicidade!
Um abraço,

Mavie

Anônimo disse...

Karla,
Fiquei encantada. Ler suas palavras até nos faz esquecer da angústia que muitas vezes perpassa o texto. Você escreve leve... a leitua flui gostosa, mesmo quando o tema não é exatamente alegre.
Adorei! Ainda bem que tudo passou e você já está conosco, no dia a dia do trabalho.
bjs,
Nina