Desci pra me expor a ele, cozinhar em banho-maria (orientação médica, que eu cumpro felizinha da Silva e sempre com um livrinho pendurado entre mãos).
Exercício gostoso que me levou a alguns cantos da infância vivida no grande condomínio Bella Torre (que continua imenso, mesmo agora que o olho com retina adulta).
Foi bom crescer aqui.
Assim como foi bom brincar, beijar o primeiro beijo, frequentar vizinhos, fazer festa, trabalho de grupo, andar de bicicleta com rodinha, andar de bicicleta sem rodinha, pique-pega, pique-esconde, pique-cola, ping-pong humano," descer pra conversar"...
O Bella Torre é chão e foi muro pra muita coisa que ainda mora em mim.
CENA PRODUZIDA NO MEU BANHO DE SOL:
O menininho do 6° andar do bloco 3 vinha caminhando com a mãe. Conversava, e de longe eu vi que ele encarou a mureta que divide o pátio do estacionamento, com uma coragem nova e viva demais para um homenzinho de 5 anos.
Deu vontade de pular e assim ele o fez. Largou do braço da mãe e num esforço comovente lutou contra o concreto que devia bater mais ou menos em seu ombro.
Ele deu impulso.
Ele pulou a plenos pulmões.
Ele caiu e levantou de novo.
Ele tentou outra vez.
Ele ajudou com os pés, como se afogasse.
Ele fez força com o braços, como se voasse...e arrastou o rosto, se arranhou, continuou puxando a barreira pra si.
Eu tive vontade de dar uma força, um pezinho, mas fiquei de longe torcendo para ele não desistir. Do êxito dele dependia a alegria do meu dia.
Se ele vencesse, bem na minha frente, com tanta dignidade - seria ele o herói, o super-homem que salvaria toda humanidade daquele dia.
O garotinho do outro lado do muro e Deus perdoaria toda face da Terra.
Para torcer pelo feito, meu corpo todo funcionava em sua direção. preso no que seria meu pequeno grande milagre.
Do lado dele, a mãe que não parava de olhar o relógio e fazia cara de "não tenho tempo para suas criancices" perdia a grandeza do momento e a lindice que era aquele rosto espremido de tanto fazer força.
Já quase sem força, ele olhou pra mim, como se desculpasse pela decepção e eu olhei pra ela com cara de " faça alguma coisa".
Ela entendeu, porque é mãe e recuperou o espetáculo perdido soltando a bolsa da mão e empurrando a bundinha do filho com uma ternura forte - dois adjetivos que naquele momento combinaram como nunca antes.
Ele foi.
Ele foi para o outro lado respirando cansado e vencedor.
Eu suspirei de emoção.
Ele transpirou, prosa de si.
Ela bufou, mas orgulhosa.
(como você pode ver, existem muitas maneiras de utilizar o ar que entra e circula pelo pulmões. - eu escolhi respirar pelos olhos. É bem mais bonito.
Há também muitas maneiras de ultrapassar muretas. Com empurroezinhos afetuosos é sempre a melhor delas.)
CONTINUANDO...
Meu Messias entrou então no carro com sua Maria e foi embora portão a fora.
Foi aí que me lembrei do meu super-homem parente: Guigui.
Se fosse ele o protagonista da cena que eu tinha acabado de co-dirigir - meu macaquinho de estimação teria deixado a mureta pra trás com o "pé nas costas" e finalizaria o golpe com aquela sua gargalhada bem safada.
Suspirei de novo e senti um amor imenso por ele, aquela vontade de abraçar que dá quando alguma coisa no dia, nos remete a alguém que a gente gosta bastante.
Abençoei o Guigui em pensamento e pedi a Deus para ser amada nesse mesmo formato durante o dia de algumas pessoas também. Será?